Disco: "Nine Types of Light", TV On The Radio

TV On The Radio
Experimental/Alternative/Indie
http://www.myspace.com/tvotr

Por: Cleber Facchi

Férias, algo que deveria ser difundido como elemento fundamental para todas ou pelo menos a maioria das bandas. Logo após o lançamento do excelente Dear Science (2008) – de longe um dos discos mais importantes dos anos 2000 – o quinteto nova-iorquino TV On The Radio partiu para um merecido “descanso”. Do bem aproveitado hiato, Kyp Malone e David Andrew Sitek lançaram seus trabalhos solos, quanto os outros integrantes seguiram com projetos também ligados a área musical. Descansados e ativos, o quinteto volta para mais um belo registro, mostrando que ainda tem muitos louros a serem angariados.

Embora o cerne do grupo – que fica completo com Tunde Adebimpe, Jaleel Bunton e Gerard Smith – seja a soul music da década de 1970, outros elementos do mesmo período acabam girando em torno dessa base. Dos discos de David Bowie da fase Berlin, alguns toques da música experimental que fluía durante o período, vagos ecos de Fela Kuti, além de pequenas inserções Miles Davis e os princípios da new wave, toda essa monumental coleção de sons e estilos é o que acrescenta a grande massa preparada pela banda.

Esse número externo de variantes sonoras acaba não somente se evidenciando nas composições do quinteto, como a cada disco funciona como o combustível primordial das criações. Em Desperate Youth, Blood thirsty Babes (2004) o grupo prova do completo experimentalismo, Retourn To Cookie Mountain (2006) por sua vez solta a soul music acompanhada de toques de uma música eletrônica melancólica, enquanto em Dear Science o grupo amarra tanto sons do soul, passando pelos princípios do hip-hop até o experimentalismo pop. Para o recente Nine Types of Light (2011) o grupo se fecha em um único gênero: o rock.

Mas calma lá, não vá esperando que Tunde Adebimpe e seus parceiros entreguem uma guitarrada atrás da outra, como se fosse um disco calcado no uso de acordes rápidos e rasteiros. Assim como nos outros discos, os sons do TV on The Radio e a forma como tais fenômenos acústicos são emanados funcionam de forma única, como se fossem filtrados, absorvidos e reconvertidos dentro de um estado próprio só da banda. A diferença é que deste para os outros álbuns o grupo trabalha de maneira mais versátil e direta, fazendo com que não apenas as guitarras, mas todos os demais instrumentos funcionem de maneira mais transparente e límpida.

A forma como ocorrem essas mudanças tornam-se evidentes logo na abertura do trabalho. Second Song (com Adebimpe lembrando de leve Mett Berninger do The National) chega marcada por um baixo gingado, uma bateria bem desenvolvida e guitarras levemente dançantes, sempre tendo como um dos pilares os falsetes do vocalista. Além da tríade básica de instrumentos o uso pontual de teclados, pianos e uma galeria de instrumentos de sopro fazem com que a faixa cresça no embarcando em um ambiente dançante, onde cada instrumento aparece de forma distinta, diferente das grossas massas de som do lançamento anterior.

Outro momento em que fica fácil a percepção das tonalidades do disco ocorre na belíssima You. As guitarras costuradas por sintetizadores bem trabalhados vão dando as bases para uma letra confessional com direito ao vocalista dizendo levemente emocionado “Você é a única que eu amei”. Como todo disco dos nova-iorquinos há sempre aquela faixa feita com o intuito de emocionar. Se anteriormente Province e Family Tree cumpriam com perfeição esse papel, agora é a vez de Killer Crane e Will Do assumirem tal responsabilidade, em dois momentos onde a banda deixa que sua sonoridade transborde e comova.

Uma coisa é certa: Nine Types of Light é o disco com a maior quantidade de hits do grupo. De cara o grupo manda a suingada Second Song, mais a frente a emocionada e romântica You, passando um pouco chega Will Do (que além de tudo ganhou um belo clipe, à altura de sua suntuosidade). Acha pouco? Então que tal a explosiva Repetition, com o grupo soltando uma sequência de batidas radiantes, boas guitarras no melhor estilo indie rock e os versos extasiantes da faixa. E se você pensa que a última faixa do disco seria um suave registro melancólico surpreenda-se, afinal, a mescla de rock e hip-hop é o que fomentam Caffeinated Consciousness.

É fato que esse novo disco não dispõe da mesma unidade presente em Dear Science ou não se organize dentro de uma temática única, como ocorre em Retourn To Cookie Mountain – embora traga o rock como elemento básico – assim, cada faixa parece pensada quase que individualmente. Entretanto, a maneira despojada e bem mais solta que os lançamentos anteriores, sem contar no total aspecto pop dão ao disco e a carreira da banda um ar revigorado. O álbum se representa coerentemente pela capa que o ilustra,  diferentes focos para uma mesma luz, diferentes tipos de som para uma mesma banda. As férias, definitivamente fizeram bem ao TV on The Radio.

Nine Types Of Light (2011)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Rain Machine, Maximum Balloon e Menomena
Ouça: Will Do

Disco: "Transe Só EP", Hierofante Púrpura

Hierofante Púrpura
Brazilian/Experimental/Psichedelic
http://www.myspace.com/hierofantepurpura

Por: Cleber Facchi

Se no exterior a onda de artistas inspirados no experimentalismo pop é o que há um bom tempo tem nos agraciado com suntuosos lançamentos – Merriweather Post Pavillion (2009), Person Pitch (2007) e Veckatimest (2009) apenas como exemplos – no Brasil o gênero parece aos poucos se evidenciar de forma gratificante. Depois de dois belos registros do Inverness e mais recentemente o novo single do Dorgas, quem agora chega para dar sua contribuição é o trio paulista Hierofante Púrpura, que acaba de soltar um EP inspirado e excêntrico.

Transe Só EP (2011) é um trabalho que teve início lá em 2009 quando Danilo Sevali (baixo, piano e vocal) Gabriel Mattos (guitarra) e Diego Menichelli (bateria) lançaram a dobradinha de EPs Adubado e Crise de Creize, ambos trabalhos que se apresentavam em um formato ainda mais inovador do que fora proposto com o lançamento de Asucar-Çugar EP de 2006. Trazendo referências do post-rock, post-hardcore, noise e da música psicodélica, o grupo originário de Mogi das Cruzes mostrava uma enorme evolução na poesia das canções e um amadurecimento óbvio em sua musicalidade.

Em quatro faixas, o trio nos convida a embarcar em um passeio meio nonsense, quase onírico, um tipo de som que mescla tematizações urbanas com agrupados de referências rurais. O indie rock dos anos 90 se encontra com o som dos Mutantes, o rock rural e se cruza com Sonic Youth, tudo agitado dentro de um grande liquidificador com as lâminas praticamente sem fio, deixando com que todos os sons sejam encontrados de forma bruta, pedaços quase inalterados de referências.

Rosa Frígida que abre e introduz o tipo de som do trio viabiliza uma instrumentação cuidadosa e amargurada (muito por conta da letra caprichada de Sevali e Felipe Lima), valendo-se de um tipo de instrumentação que transita entre o som de grupos como Fugazi, adornando-se de pequenos agregados de jazz. A faixa toca o etéreo, volta para o campo do real e se mantém assim, inconstante (e bela) a todo tempo. Com um toque mais caseiro Areia no Olho Alheio apresenta a banda e forma mais controlada, embora ainda deixando fluir suas experimentações.

Com Hospital das Curas os paulistas se jogam dentro de uma ambientação muito similar ao som do Mineral ou de outros artistas compreendidos dentro do Post-Hardcore. Os versos da canção parecem muito mais com um jogo de palavras incumbido de movimentar a canção do que de apresentar algum tipo de argumento ou racionalidade em si. Detalhe para quando o trio toca um despertador dentro da faixa, como se a partir dali ela se dividisse, abrindo espaço para um momento de quase improviso e de grande beleza instrumental.

Repleta de delays, A Carta Que Eu Recebi Do Presidente é a composição escolhida para o fechamento do álbum, e é preciso concordar que não haveria forma melhor para isso. Movida apenas pelo verso “Deixa o mundo ser torto” a canção difunde um som ainda mais viajado, somando elementos do dub e despontando até certos delírios vocálicos e instrumentais. Um fecho condizente para este perspicaz e flexível registro, a última parada antes de (infelizmente) desembarque na vida real.

Transe Só EP (2011)

Nota: 8.1
Para quem gosta de: Dorgas, Gigante Animal e Inverness
Ouça: Hospital das Curas

Rapidinhas (Singles)

Imagine o encontro entre Holger e Database, imaginou? Então que tal agora você ouvir essa ótima versão de Let’em Shine Below fruto da parceria entre os dois artistas. Se antes era a sonoridade gingada do grupo paulista que se firmava, agora são as ótimas batidas e as boas doses de sintetizadores que predominam.

 

 

Quem já acompanha o trabalho da dupla Mixhell – formada pelo ex-Sepultura Iggor Cavalera e pela esposa Laima Leyton – sabe que pode esperar batidas secas e de uma intensidade ímpar, fruto dos longos anos de Cavalera atrás das baquetas de sua antiga banda. Antigalatic é daquelas faixas feitas para ferver na pista.

 

 

Quando o Luiz Salvador do Oh My Rock veio me falar de Houseboat Babies do Reptar confesso que nem dei muita atenção à faixa, mas bastaram algumas audições e o maldito refrão para perceber a beleza dessa canção composta por um ritmo entusiasmado. Faço coro dizendo que esta é “uma das melhores coisas do ano até então”.

 

 

Em quatro discos de estúdio a dupla norte-americana YACHT já colaborou tanto com as pistas de dança como com nossos momentos mais intimistas. Focando nesse primeiro momento temos Dystopia, mais recente música de Jona Bechtolt e Claire L. Evans. Um bom presente aos fãs a uma ótima forma de conhecer o som do casal.

Disco: "Stone Rollin'", Raphael Saadiq

Raphael Saadiq
Soul/R&B/Funk
http://www.myspace.com/raphaelsaadiq

 

Por: Fernanda Blammer

Sabe aquele tipo de programa radiofônico especializado em tocar as melhores dos anos 70, 80 e 90 e que normalmente acaba escondido em algum horário quase inacessível? Então, Stone Rollin’ (2011) novo disco de estúdio do californiano Raphael Saadiq funciona nesse mesmo tipo de frequência, como se fosse parte de um enorme programa de rádio especializado em tocar clássicos, nesse caso, grandes composições da soul music compreendidas em várias décadas.

Na ativa desde 1983, quando ingressou para o grupo de R&B Tony! Toni! Toné!, Saadiq foi conquistando aos poucos seu espaço dentro do cenário musical, trabalhando ao lado de nomes como Joss Stone e John Legend até que no começo dos anos 2000 resolveu de vez partir para a carreira solo (embora já houvesse lançado alguns singles anteriormente), lançando o bem recepcionado Instant Vintage (2002) disco que figurou pelas principais publicações com enorme destaque. O sucesso, porém, viria com The Way I See It (2008), álbum em que o cantor brilhava de maneira surpreendente, ganhando inclusive algumas indicações no Grammy do ano seguinte.

Para o novo disco o californiano de Oakland não apenas traz todo o seu jogo de influências e sonoridades calorosas como acrescenta uma série de guitarras perfeitamente empregadas, dando ao álbum agilidade e um som feito especificamente para dançar. Ao contrário dos lançamentos anteriores – Instant Vintage (2002), All Hits at the House of Blues (2003), Ray Ray (2004) e The Way I See It (2008) – o músico vai atrás de novas referências e é no rock dos anos 60 que ele as encontra.

A Black Music que antes compreendia a grande parte dos sons de Saadiq agora fica levemente afastada, como um grande plano de fundo, permitindo que o músico destile ótimas canções, como acontece em Radio. Há elementos do funk com todo aquele clima James Brown, entretanto são as guitarras, alguns toques de surf music e um rápido passeio pelo rockabilly. A faixa homônima é outra que escapa da mesma fonte. Stone Rollin’ não apenas atravessa a década de 1960 como vai no blues buscar pequenos suplementos para sua sustentação.

O músico consegue até se valer do contry misturado com R&B em Day Dreams, demonstrando toda sua potencialidade em juntar gêneros em prol de um som gostoso e agradável de ser absorvido. E é claro que Saadiq não poderia deixar de lado o estilo que tanto o consagrou, para isso o músico entrega canções ao nível de GoTo Hell, repleta de backing vocal e uma instrumentação feita com o intuito de emocionar e prender de vez o ouvinte.

Como dito Stone Rollin’ não pode ser visto como um disco de soul music, já que a maior parte do trabalho foca em sons distintos, valendo-se do gênero apenas como um suporte, uma sustentação às faixas. A iniciativa do músico em arriscar garante não somente que Raphael Saadiq proporcione aos seus seguidores um trabalho interessante, como também evita que sua carreira desande em sons repetitivos ou simplesmente básicos.

 

Stone Rollin’ (2011)

 

Nota: 7.1
Para quem gosta de: Tony! Toni! Toné!, Amy Winehouse e John Legend
Ouça: Radio

Pequenos Clássicos Modernos

Moptop
Brazilian/Indie Rock/Alternative
http://www.myspace.com/moptopyeahrock

 

Por: Cleber Facchi

Muito além de ser uma mera versão, um “Strokes brasileiro”, os cariocas do Moptop tiveram um papel essencial para apresentar ao grande público a forma com que o rock, as guitarras e a poesia juvenil se movimentavam dentro do novo século. Lançado em 2006, a autointitulada estreia do quarteto do Rio de Janeiro mostrou todo o frescos, sons polidos e uma forma até então diferente de fazer música. Em meio a canções de amor e questionamentos sobre amadurecer, o grupo brinca, despeja suas doses de energia e nos convida pra dançar.

Seria claramente um erro caracterizar a banda como “inovadora”, afinal, boa parte do que figura dentro desse debut do Moptop provém em grande quantidade de Is This It (2001), disco de estreia dos norte-americanos do The Strokes. Entretanto, o simples fato de Gabriel Marques, Rodrigo Curi, Daniel Campos Mário Mamede exporem seus versos em português prova que há aí uma sincera adaptação, uma forma de enxergar o som dos anos 2000 com outros olhos.

Fundada em 2003, a banda tinha em seu embrião músicas cantadas em inglês e que bebiam perceptivelmente do rock britânico dos anos 90 (quando ainda se chamavam DeLux). Após o CD demo Moonrock lançado em 2005 e rápida aceitação do público pelas canções em língua pátria, o grupo mudou de nome (inspirado nos cortes de cabelo dos Beatles) e se assumiu de vez como uma genuína banda brasileira. Dali para a boa repercussão, em boa parte gerada pela internet seria um pulo, ou mais especificamente, uma música.

Três minutos e dezessete segundos, esse é o tempo necessário para os cariocas virarem sua cabeça com O Rock Acabou, faixa que concentra todas as referências que convergem para dar origem ao som do grupo. Guitarras aceleradas, uma letra muito bem construída e os vocais de Marques explodindo de forma emocionada e sincera. Você pode simplesmente se esquivar de todas as outras faixas do disco, mas escapar de ser atingido por esse brilhante registro é simplesmente impossível.

Seguindo uma linha bem similar, o grupo ainda nos presenteia com ótimas canções, como Bem Melhor, com sua poesia melancólica e ainda assim esperançosa, ou ainda a dicotômica Paris, um ótimo tratado sobre términos de relacionamentos e um dos melhores feito nos últimos tempos. Acima de tudo, o quarteto consegue soar pop, grudento e não descartável como boa parte dos artistas “emo” que passavam a se evidenciar durante o período, provando que o grupo ia muito além de uma cópia.

Colhendo os frutos do álbum e tocando de leve no Mainstream, os cariocas fariam parte do especial DVD MTV Ao Vivo: 5 bandas de rock (2007), além de figurarem na novelinha global Malhação. A boa repercussão da banda dentro da mídia convencional, além de uma série de shows garantiria ainda um segundo disco – Como se Comportar (2008) – com o grupo dando sequência ao mesmo tipo de som enérgico e dinâmico do álbum de estreia.

 

Moptop (2006)

 

Nota: 8.0
Para quem gosta de: Rockz, Sabonetes e Pública
Ouça: O Rock Acabou

Disco: "Helplessness Blues", Fleet Foxes

Fleet Foxes
Folk/Indie/Baroque Pop
http://www.myspace.com/fleetfoxes

Por: Cleber Facchi

 

 

“Expectativa”, uma palavra que dentro do meio musical funciona como uma verdadeira faca de dois gumes, normalmente afiadíssima. Quando utilizada de maneira incorreta pode facilmente derrubar algum artista, fazer com que aquele tão esperado álbum acabe “descartado” e consequentemente “esquecido”. Ambas palavras de forte peso. Entretanto, quando a expectativa torna-se suprida pela excelência de grandes lançamentos, rapidamente ela pode ser convertida em “surpresa”, “orgulho” e em alguns casos até “comoção”, todas, palavras muito mais impactantes e duradouras. E (feliz mente) são essas as expressões que saltam ao ouvir o novo disco do Fleet Foxes, um álbum que prova que a expectativa ainda é algo que pode dar certo.

Guarde essas palavras: “Helplessness Blues”, afinal, durante os próximos meses de 2011 (e muito provavelmente pelos próximos anos) essas duas palavras vão figurar entre os principais veículos de comunicação musical, entre as rodinhas de amigos ou mesmo nos debates acalentados de mesa de bar. O recente disco do sexteto te Seattle é apenas mais uma comprovação, que para além das guitarras violentas que cravaram o grunge sob as abas do Space Needle há também espaço para que adornamentos cuidadosos e uma melodia que beira à perfeição.

Após ganharem o mundo com o lançamento de seu autointitulado disco de 2008 – além do EP Sun Giant, que funcionava como um complemento ao álbum de estúdio – qualquer tipo de pressão e expectativa sobre a continuidade desse registro seria óbvia e tenebrosa. Seriam Robin Pecknold, Skyler Skjelset, J. Tillman, Casey Wescott, Christian Wargo e Morgan Henderson capazes de dar continuação a um disco que brilhava tanto pelo uso caprichado de faixas com uma instrumentação plural (Your Protector) como pela quase ausência dela (Oliver James)? A resposta para todas essas perguntas sai facilmente após uma audição desse “Blues do Desamparo”.

O ouvinte mais desatento logo perceberá o disco como uma verdadeira continuidade do disco de estreia, um erro claro, já que o atual lançamento segue por um caminho levemente inclinado, não tão melancólico, mais direto e até mais experimental. A base dos norte-americanos ainda é a mesma, entretanto, o foco é outro. Se antes era uma estrutura de um pop barroco, como se a banda tocasse dentro de uma igreja européia durante a idade média, hoje é como se o grupo surgisse de maneira mais bucólica, pastoril, abandonando a climatização sorumbática do debut em prol de sons mais abertos.

Qualquer um que tenha uma mínima aula sobre as escolas literárias deve se recordar que o período barroco era marcado pela dicotomia de elementos – Deus e Diabo, luz e trevas, alegria e tristeza – sendo assim é possível compreender o trabalho de 2008 como o lado soturno, mais reflexivo e triste do grupo, enquanto Helplessness Blues se apresenta como o projeto mais iluminado, feliz e levemente expansivo. Assim como no disco de outrora o grupo segue fomentando canções com o mesmo cuidado e a mesma capacidade de nos fisgar. Logo nos primeiros acordes de Montezuma, com o grupo ainda preparando o terreno, os vocais emocionados de Robin Pecknold (que em breve deve se lançar em carreira solo) e a sonoridade crescente culminam em um único fator: a emoção.

Embora o grupo seja constantemente caracterizado por sua instrumentação é possível afirmar que metade disso, de toda a emoção gerada pelo Fleet Foxes vem das melodias de vocais. O grupo desde seus primeiros registros fomenta arranjos vocálicos com a mesma intensidade que o The Beach Boys fazia há mais de 40 anos, utilizando-se de uma voz principal como fio condutor, sendo ela acompanhada por um coro cuidadoso que invade os ouvidos com totalidade. Sejam os mínimos murmúrios (funcionando quase como instrumentos) ou belos e prolongados apoios de canto, os vocais funcionam como os dentes de todas as engrenagens que movimentam esse registro.

A instrumentação é, portanto, o grande corpo dessas engrenagens e que assim como no trabalho de estreia proporcionam momentos de puro encantamento ao longo de todo o seu desenvolvimento. É difícil se esquivar de acontecimentos como em Sim Sala Bin, com a banda seguindo de maneira ponderada até a entrada de um solo surpreendente de violões, com a chegada de um som furioso e belo. É como se o grupo fizesse dos instrumentos uma extensão do seu próprio corpo, sabendo exatamente de que forma dedilhar, qual a nota mais coerente, que maneira é a mais a nos emocionar. Assim surgem achados como The Plains/Bitter Dancer, a canção que nomeia o disco, The Cascades (que surge como uma gigante de apenas dois minutos).

Além de mais uma vez nos surpreenderem, de superarem nossas expectativas, o grupo faz pequenos apontamentos do que poderemos encontrar em seus futuros lançamentos, como é o caso de The Shrine/An Argument. Além de dar vazão à sonoridade já conhecida do grupo temos ainda pequenas inclusões de melodias quebradas, abordando uma face mais experimentalista do grupo, assim com o uso de um trompete desconstruído, mudanças de ritmos assertivas e o uso massificado de texturas e pequenos complementos. Distinta, se o que virmos pela frente for uma sequência desse belo fragmento sem duvidas já podemos lançar todas as nossas expectativas para o Fleet Foxes, pois sem dúvidas elas serão supridas.

 

 

Helplessness Blues (2011)

Nota: 9.3
Para quem gosta de: Bon Iver, Grizzly Bear e Local Natives
Ouça: Helplessness Blues

Disco: "A Coruja e o Coração", Tiê

Tiê
Brazilian/Indie/Folk
http://www.myspace.com/tiemusica

Por: Cleber Facchi

Seria um grande erro (talvez até burrice) acreditar que Tiê repetiria o mesmo sentimento e a instrumentação angustiante de Sweet Jardim (2009) em seus seguintes lançamentos. O nascimento da filha, a expansão de sua carreira ao longo desses dois anos, seu bem frequentado círculo de amizades e diversos outros fatores separavam a bela paulistana do mesmo panorama a que se restringia seu álbum de estreia. Bem humorada, radiante e cercada de uma musicalidade ausente de minimalismos a cantora volta renovada em A Coruja e o Coração (2011).

São diversos os elementos que perpassam esse novo registro, talvez um dos mais latentes (ou pelo menos o mais peculiar) é o da Tiê interprete. Começa com a versão adocicada de Só Sei Dançar Com Você, clássico mais do que recente lançado por Tulipa Ruiz no ainda fresco Efêmera (2010). O banjo, os teclados e uma leve alteração no ritmo, tornando-a mais veloz funciona de maneira bem conduzida nos vocais da musicista. Mais à frente chega a também excelente versão de Mapa-Múndi, fruto original de Thiago Pethit em seu comportado Berlim, Texas (2010). Vem até uma divertida variante de Você Não Vale Nada (“mas eu gosto de você”) de Dorgival Dantas, “clássico” das novelas globais, que ganha contornos encantadores, embora pareça desnecessária dentro do disco.

A outra faceta (ainda mais perceptível) é o aspecto alegre que se faz presente em praticamente todo o registro. Começa com a cuidadosa Na Varanda da Liz – faixa destinada a filha da cantora e composta por João Cavalcanti, também percussionista do grupo Casuarina – que se desmancha em acordes coloridos e uma sonoridade reconfortante. Divertida Hide and Seek com seu jeitão de musica country arremessa o disco lá pra cima, fomentando a criação de um som mais aberto e menos confessional.

Também produzido e musicado por Plínio Profeta – com quem Tiê havia trabalhado em seu debut – mesmo as faixas que seguem por um caminho mais melancólico e tortuoso acabam abraçando uma sonoridade menos intimista e soturna. Piscar O Olho, por exemplo, se aproxima de maneira bem latente ao que era proposto em Sweet Jardim, embora soe de forma mais descompromissada, solta e quase ausente de sofrimento.

O mesmo vale para Perto e Distante, que talvez por sua instrumentação gloriosa desponte um caráter mais esperançoso, algo que composições como Assinado Eu e Quinto Andar do disco de estreia acabavam por vezes ocultando.

Embora acompanhada por Profeta durante todo seu primeiro trabalho, Tiê passava a todo o momento a sensação de ausência, de solidão, sendo possível imaginar a musicista de maneira solitária em um palco escuro tendo apenas uma luz sobre sua cabeça. O grandioso número de participações dentro do novo registro talvez seja o que afasta esse sentimento solitário, muito mais do que a instrumentação em si. Há desde Jorge Drexler, Jessé Sadoc e Marcelo Jeneci em Perto e Distante, além de Hélio Flanders em Hide and Seek, fora os parceiros Pethit e Ruiz que emprestam seus versos a cantora.

Se ao estrear Tiê fomentava a criação de um som cinza, elemento que evidenciava um coração partido ou composto de pequenas ranhuras, em A Coruja e o Coração tudo soa com um frescor, um colorido e um brilho. A capa do disco antes preta e branca e sóbria, agora mostra pequenos focos de cor, prova de que no antigo e acinzentado jardim da cantora hoje brotam flores, algumas ainda crescendo de forma tímida, como se precisassem de um pouco mais de regas, mas todas plantas vivas e que principiam doces perfumes.

A paulistana tem todos os motivos para expressar sua felicidade e despontar um som versátil e ampliado, o recente registro é apenas um reflexo disso. Já os fãs amargurados que buscavam de maneira quase sádica por uma continuação sofrida do anterior trabalho, estes que busquem por lamentos em outros jardins, pois deste brotam apenas sentimentos renovados, ausentes de sombra e a todo momento banhados pelo Sol.


A Coruja e o Coração (2011)

Nota: 7.8
Para quem gosta de: Tulipa Ruiz, Thiago Pethit e Lulina
Ouça: Só Sei Dançar com Você

Thiago Pethit: "Nightwalker"

 

Seguindo praticamente ao pé da letra, Alice Braga e Thiago Pethit se encontram no ótimo videoclipe de Nightwalker. A faixa faz parte do bem recebido Berlin, Texas (2010), disco de estreia do cantor paulista e um dos destaques do ano passado. Com direção de Vera Egito e Renata Chebel, o vídeo vale-se de um ótimo plano sequência, além de ver a sempre bela Braga dançando e “cantando”.